sábado, 2 de janeiro de 2010

"Justine ou o infortúnio da virtude", Marquês de Sade

Uma obra que nos mostra quão difíceis e malogrados podem ser os caminhos da virtude, e os extremos a que uma pessoa pode chegar na tentativa de obter o máximo de prazer possível dos outros, sem sofrer as devidas punições. Apesar de todo o contexto, o modo como a descrição é feita e a linguagem usada suaviza os sentimentos que podem ser desencadeados no leitor.

“A emoção da volúpia é, no nosso espírito, uma vibração produzida através dos choques que a imaginação inflamada pela lembrança de um objecto lúbrico faz experimentar aos nossos sentidos, ou então através da presença desse mesmo objecto, ou melhor ainda pela irritação que esse objecto sentir com o género que mais facilmente nos arrebata; deste modo, a nossa volúpia, essa inexprimível sensação que nos faz delirar, que nos iça ao mais alto ponto de felicidade que o homem pode alcançar, só pode incendiar-se mediante duas causas: uma é observando real ou ficticiamente no objecto que nos serve a espécie de beleza que mais nos comove, a outra é vendo esse objecto experimentar a mais forte sensação possível; ora não existe sensação mais forte do que a sensação de dor; as suas impressões são exactas, não são enganosas como as de prazer constantemente fingidas pelas mulheres e quase nunca realmente sentidas; é, de resto, preciso muito amor próprio, muita juventude, força e saúde para se ter a certeza de provocar numa mulher essa impressão duvidosa e pouco satisfatória de prazer. A sensação de dor, pelo contrário, nada exige (…) aquele, portanto, que numa mulher tiver provocado a impressão mais tumultuosa, o que mais transtornada consiga deixar a sua organização, é esse, indubitavelmente, o que obtém maior dose de volúpia, porque o choque resultante das impressões dos outros sobre nós, devendo ser em razão da impressão produzida, será necessariamente mais activo, se essa impressão dos outros for dolorosa, do que se for suave e branda; a partir daí, o voluptuoso egoísta, uma vez convencido de que os seus prazeres só serão vivos quando inteiros, deverá impor, quando para isso tenha autoridade, a maior dose possível de dor ao objecto que o serve, na certeza de que a volúpia obtida tem relação directa com a impressão viva que tiver produzido.”

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