sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

"O anatomista", Frederico Andahazi

Tentar conhecer a mulher e a forma de conquistar o seu amor, através da ciência não será certamente tarefa fácil. Uma obra em que se fala sem pudor de uma das componentes mais importantes do ser humano, a sexualidade, e que tem como foco a descoberta de um dos órgãos que suscita maior curiosidade na anatomia feminina, o «Amor Veneris», mais conhecido como clitóris. Será que esta descoberta é a chave para conseguir abrir o coração da mulher que se ama? Estará afinal a alma feminina dependente da acção que se exerce no seu corpo? Haverá salvação possível para aquele que ousa conhecer o motor de supremo prazer? Conseguiremos realmente explicar as paixões?

"Pensa-se erroneamente que são as paixões que nos conduzem ao pecado da carne. A tentação que neste pecado acaba nada tem a ver com as paixões, mas sim com as acções precisamente, pois trata-se de um pecado cuja origem está no corpo. Devemos, pois, diferenciar o amor, que é um puro atributo da alma, do impulso sexual. O amor é uma paixão, pois tem a sua origem e o seu fim na própria alma, ao passo que o impulso sexual se inicia e se completa no corpo. Não existe, pois, nenhum órgão que sirva nem para produzir nem para extinguir o amor, ao passo que o impulso sexual tem uma localização corporal evidente tanto na origem como no fim."
O verdadeiro prazer pode ser encontrado com a leitura desta obra!

"o apocalipse dos trabalhadores", valter hugo mãe

escrito totalmente em minúsculas, por um escritor cuja escrita manual é curiosamente em maiúsculas, um livro que nos mostra a inevitabilidade de fugir ao destino, que é a morte. uma palavra com uma conotação negativa, mas que não negativiza esta obra, porque não é retratada como um drama, tendo bem presente a crítica disfarçada através do humor. não sabemos o que existe para além da morte, se é que existe alguma coisa, e por isso somos livres de criar um mundo que não conhecemos.


"de noite, a maria da graça sonhava que às portas do céu se vendiam souvenirs da vida na terra. dente de palavras garridas que chamava a sua atenção com os braços no ar, como quem tinha peixe fresco, juntava-se em redor da sua alma e despachava por bagatelas as coisas mais passíveis de suprir uma grande falta aos que morriam. os últimos charlatães, pensava ela, envergonhada até por ter de pensar depois de morta, ou que talvez fosse coisa boa antes de se entrar no céu ser dada a oportunidade de levar um objecto, uma imagem materializada, algo como prova de uma vida anterior ou extrema saudade. ela pedia-lhes que a deixassem passar, ia à pressa, insistia, sabia mal o que fazer e não podia decidir nada sobre nada. seguia perplexa e não querendo arriscar a ganância de se depositar na eternidade a partir de um acto de posse. por uma compreensível angústia, ansiedade ou frenesi de ali estar tão pela primeira vez, mantinha a esperança de que talvez são pedro a esclarecesse e, com um pé lá dentro e outro ainda fora, lhe fosse possível comprar o requiem de mozart, a reprodução dos frescos de goya ou a edição francesa das raparigas em flor."

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"A geração da utopia", Pepetela

Uma guerra igual a tantas outras, em que os ideais se desfazem ao longo do tempo. Neste livro retrata-se a luta Angolana contra o colonialismo, com ênfase no Movimento Popular de Libertação de Angola. A obra está dividida em quatro partes, sendo que a primeira coincide com o início da luta da armada (1961), e a última parte é localizada já nos anos noventa, sendo acompanhado o percurso de vida de um grupo de jovens, que defende o seu país. O amor a uma nação, também retratado através do amor entre as pessoas que a constituem, e a espera que é feita para que seja possível desfrutar da plenitude do que ele pode proporcionar.

“ (…) todos nós a um dado momento éramos puros e queríamos fazer uma coisa diferente. Pensávamos que íamos construir uma sociedade justa, sem diferenças, sem privilégios, sem perseguições, uma comunidade de interesses e pensamentos, o Paraíso dos cristãos, em suma. A um momento dado, mesmo que muito breve nalguns casos, fomos puros, desinteressados, só pensando no povo e lutando por ele. E depois…tudo se adulterou, tudo apodreceu, muito antes de se chegar ao poder. Cada um começou a preparar as bases de lançamento para esse poder, a defender posições particulares, egoístas. A utopia morreu. E hoje cheira mal, como qualquer corpo em putrefacção. Dela só resta um discurso vazio.”

"A arte de bem matar horas", Manuel Maia

Com uma linguagem muito acessível e com um registo francamente humorístico, em que se brinca com as palavras e o sentido que elas podem tomar em diferentes contextos, e que podem levar a grandes incomunicações. Tem uma particularidade, o facto de termos conhecimento dos dois lados de uma história completamente banal, mas que ao não ser retratada com sentimentalismo e romantismo exacerbados, adquire uma maior proximidade com a realidade.

“Dizem os senhores professores que a paixão emerge do inconsciente, consiste na atracção por um gesto, uma imagem, uma fantasia infantil, sem ter verdadeiramente a ver com a pessoa objecto dessa mesma paixão, a qual é idealizada. Surge depois – ou não – o amor, fruto de um confronto dessa imagem com a realidade, quando se descobre que a pessoa por quem estávamos apaixonados era – ou não – aquela que desejávamos. No fundo, o amor tem de resistir à realidade.”

sábado, 2 de janeiro de 2010

"Justine ou o infortúnio da virtude", Marquês de Sade

Uma obra que nos mostra quão difíceis e malogrados podem ser os caminhos da virtude, e os extremos a que uma pessoa pode chegar na tentativa de obter o máximo de prazer possível dos outros, sem sofrer as devidas punições. Apesar de todo o contexto, o modo como a descrição é feita e a linguagem usada suaviza os sentimentos que podem ser desencadeados no leitor.

“A emoção da volúpia é, no nosso espírito, uma vibração produzida através dos choques que a imaginação inflamada pela lembrança de um objecto lúbrico faz experimentar aos nossos sentidos, ou então através da presença desse mesmo objecto, ou melhor ainda pela irritação que esse objecto sentir com o género que mais facilmente nos arrebata; deste modo, a nossa volúpia, essa inexprimível sensação que nos faz delirar, que nos iça ao mais alto ponto de felicidade que o homem pode alcançar, só pode incendiar-se mediante duas causas: uma é observando real ou ficticiamente no objecto que nos serve a espécie de beleza que mais nos comove, a outra é vendo esse objecto experimentar a mais forte sensação possível; ora não existe sensação mais forte do que a sensação de dor; as suas impressões são exactas, não são enganosas como as de prazer constantemente fingidas pelas mulheres e quase nunca realmente sentidas; é, de resto, preciso muito amor próprio, muita juventude, força e saúde para se ter a certeza de provocar numa mulher essa impressão duvidosa e pouco satisfatória de prazer. A sensação de dor, pelo contrário, nada exige (…) aquele, portanto, que numa mulher tiver provocado a impressão mais tumultuosa, o que mais transtornada consiga deixar a sua organização, é esse, indubitavelmente, o que obtém maior dose de volúpia, porque o choque resultante das impressões dos outros sobre nós, devendo ser em razão da impressão produzida, será necessariamente mais activo, se essa impressão dos outros for dolorosa, do que se for suave e branda; a partir daí, o voluptuoso egoísta, uma vez convencido de que os seus prazeres só serão vivos quando inteiros, deverá impor, quando para isso tenha autoridade, a maior dose possível de dor ao objecto que o serve, na certeza de que a volúpia obtida tem relação directa com a impressão viva que tiver produzido.”